Diante da aprovação do
Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o aborto de fetos anencéfalos, o expert da
área de bioética, Padre Hélio Luciano, concedeu uma entrevista exclusiva ao
site Zenit com a finalidade de refletir um pouco mais sobre as causas dessa
aprovação. Acompanhe a entrevista na íntegra:
ZENIT
– O senhor acaba de retornar ao Brasil depois de um período de estudos na
Europa. E chegou bem na hora em que o STF aprovava o aborto de bebês
anencéfalos. Ainda que os Ministros Brasileiros tenham se sentido portadores de
Novas ideias e Revoluções Éticas e Morais, o senhor não acha que estamos diante
de pensamentos antigos, que pelo menos há uns dois ou três séculos invadiram o
mundo Cristão Ocidental com mais força?
Padre
Hélio – Sem nenhuma dúvida. Toda essa “pseudo-revolução” atual
no Brasil – liderada por “pseudo-intelectuais” – não é nada novo na história da
humanidade. São ideias da Idade Moderna (séculos XV a XVIII), que foram
redesenhadas na primeira metade do século XX e que agora, atrasadamente, chega
ao Brasil com maquiagem de ideias pós-contemporâneas. Insisto que é um
movimento liderado por “pseudo-intelectuais”, pois não representam de nenhum
modo o pensamento e os valores defendidos pela sociedade brasileira. Estes
“líderes” querem colocar em prática ideias da Revolução Francesa com o objetivo
de “iluminar” o povo brasileiro – mesmo que seja necessário ir contra a vontade
deste povo.
ZENIT
– Para o senhor, que acaba de chegar ao Brasil, qual é a impressão que tem ao
ver um país com maioria Católica aprovar algo que vai contra a Moralidade
Cristã e até mesmo contra a Razão científica e médica?
Padre
Hélio – Como você bem diz na pergunta, a decisão contra a vida
das crianças anencéfalas não foi apenas uma decisão contra valores cristãos ou
católicos. Foi uma aberração jurídica, científico-positiva, ética e moral. O
Supremo Tribunal Federal não é competente para realizar a interpretação de uma
lei de modo contrário à própria letra da lei, principalmente quando o texto
está claramente redatado – este é um princípio básico de hermenêutica jurídica.
A questão científica é clara: trata-se de uma vida, pois se a criança estivesse
morta não haveria nada para ser julgado. Quanto à ética, é de uma lógica
natural que não podemos matar a um inocente. Por fim, vem a questão moral, que,
baseada na ética, pode ir mais além, assumindo também valores próprios de uma
religião, no caso do Brasil a religião Católica e de um modo mais geral as
religiões cristãs. Ir contra esses valores não é proclamar a laicidade do
Estado, mas fechar os olhos para os valores próprios e históricos de uma nação.
ZENIT
– Será que mais do que uma aprovação do Aborto não se busca uma afirmação de um
Governo Laicista que pretende mostrar o seu poder diante de tudo o que seja Religião, principalmente diante
daquela instituição que tem maior presença como é a Igreja Católica?
Padre
Hélio – Voltamos aqui à questão do modernismo/ Iluminismo. A
intenção é fazer que o Estado assuma totalmente a função da religião e tentam
fazer isso eliminando os valores próprios da Igreja, como se estes valores não
tivessem base no próprio modo de ser humano e não constituíssem os valores e a
identidade da Nação. Um Estado laico é necessário – a separação entre Igreja e
Estado foi um grande avanço para ambas instituições – porém um Estado laicista,
que, ao invés de independência da Religião tenta fazer-se contrário à mesma, é
um Estado que desrespeita uma dimensão fundamental do homem – a religiosa.
Porém, esquecem que é
justamente através dessas manobras laicistas que despertarão “o Gigante
brasileiro”, que possui “filhos que não fugirão à luta”.
ZENIT
– Às vezes parece que, na nossa "sociedade democrática", todos podem
opinar, menos os cristãos e menos ainda os católicos. O senhor acha o mesmo?
Padre
Hélio – Se por democracia entendemos um governo representativo
dos valores da população, isso não deveria ser assim. Porém, se a interpretação
de “sociedade democrática” for a mesma de “sociedade laicista”, o que haverá –
e de fato há – será uma clara discriminação e preconceito a todos os tipos de
valores não só religiosos, mas também éticos e morais.
Hoje em dia o único
preconceito válido é contra a Igreja e contra os sacerdotes – para este
preconceito não existe lei nem punição.
ZENIT
– Os argumentos utilizados para defender o aborto do bebê anencéfalo, às vezes,
são comoventes e com histórias que parecem convincentes. Escuta-se muito por
aí, até mesmo de católicos fervorosos e estudados, que seria muito melhor
"interromper" a gestação e que esta interrupção não poderia ser
chamada de aborto, já que o ser que estava no ventre materno não estava vivo e
nem era uma pessoa. O que o senhor acha disso?
Padre
Hélio – Se não fosse vivo não poderia ser cometido um aborto.
Alguns dirão, é vivo, mas não seria humano. Essas pessoas teriam que explicar
que espécie de vida seria então – Vegetal? Animal? Com DNA humano?
Os argumentos nesses casos
sempre exploram o “sentimentalismo” tão característico do povo brasileiro. Mas
não são argumentos racionais e nem mesmo verdadeiros.
Não podemos negar que se
trata de uma situação muito complicada para a mãe, pois sabe que o seu filho,
que carrega no ventre, não viverá muito tempo. Porém sabemos que mesmo
sentimentalmente as mães sofrerão muito mais por terem sido “carrascos” ou
mandantes da morte do seu próprio filho do que pela perda natural do mesmo.
ZENIT
– Por exemplo, em grandes cadeias de televisão do nosso Brasil mostraram casos
de mães que foram "obrigadas" a levar a gestação adiante e que hoje
agradecem o governo brasileiro por terem libertado as mães do Brasil desta escravidão,
de terem que levar nos seus ventres uma "criatura morta" e sem vida,
sem terem a ajuda legal para poder interromper a gestação, ou seja, abortar. O
que o senhor acha disso?
Padre
Hélio – Infelizmente alguns meios de comunicação tem se
esforçado por difundir ideias consideradas “politicamente corretas”, ainda
quando contrárias à natureza própria do ser humano. A estratégia tem sido fazer
acreditar que todo o Brasil está de acordo com essas ideias, sendo que o
simples telespectador sente-se uma exceção.
Neste caso específico,
aproveitaram do sofrimento real dessas mães grávidas de anencéfalos para
utilizá-las, estrategicamente. Porém não mostraram nenhum caso de mãe que tenha
de fato abortado a seu filho anencéfalo, pois essa verdade não ajudaria na
estratégia de aprovação.
Outra estratégia foi a de
considerar anencéfalos somente os casos mais graves de anencefalia,
desconsiderando – e consequentemente não mostrando – crianças anencéfalas já
nascidas, como a menina Vitória, por exemplo, que já tem mais de dois anos e
estava presente no julgamento do STF. Assim, a opinião pública foi induzida a
acreditar que crianças anencéfalas não possuíam nem mesmo cabeça, ao mesmo
tempo em que, na prática, se sabe que o diagnóstico de anencefalia é muito
difícil de ser auferido e graduado. A partir de agora, todos os casos –
inclusive o de crianças como a Vitória – tornaram-se passíveis de aborto.
ZENIT
– A lei está aí. Sabemos que lei não é sinônimo de moralidade, mas podem
realmente existir leis que vão contra a moralidade?
Padre
Hélio – A lei humana deve sempre responder ao bem do homem e
ao bem comum da sociedade. Caso contrário, deixa de ser uma lei e torna-se uma
violência contra o homem e a sociedade. Sendo assim, cada pessoa tem a
obrigação de desobedecê-la.
O nosso dever agora é
tentar frear o ativismo legislativo do Supremo Tribunal Federal que surgirá a
partir desse juízo. Certamente, decorrente desse último juízo, não tardará a
questão do aborto de crianças em outras situações graves. Além disso, de acordo
com o voto de muitos dos juízes legitimando o aborto de anencéfalos pela
incapacidade dessas crianças de vir a ter consciência plena, não duvidaria que
o tema da eutanásia viesse a ser a seguinte polêmica.
* Padre Hélio é sacerdote
diocesano da diocese de Florianópolis (SC), graduado em odontologia pela UFSC,
no Brasil, graduado em filosofia e teologia pela Universidade de Navarra, na
Espanha, Mestrado em bioética pela mesma Faculdade; Mestrando em Teologia Moral
pela Pontifícia Universidade da Santa Cruz (PUSC), na Itália, doutorando em
bioética pela Faculdade de Medicina do Campus Biomédico di Roma (UNICAMPUS), na
Itália e Membro da Comissão de Bioética da CNBB.
Fonte: Arquidiocese
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